sexta-feira, 17 de julho de 2009

Navio aporta. Capitão entra num bar. Teve um dia difícil. Senta-se junto ao balcão. Acende um cigarro. Pede uma dose de rum. As notas estridentes sopradas com vigor pela gaita de boca o fazem lembrar de sua primeira viagem marítima. Uma lágrima escorre de seu olho esquerdo. Ele a seca rapidamente para que ninguém note. Perdido em lembranças, ele esquece do tempo sozinho no balcão. Após horas, toda sua tripulação já está alta. Os mais cansados dormem apoiados nos braços, babando nas mesas. Os mais dispostos saem entoando canções à procura de sereias.
A garçonete, após limpar todas as mesas vagas, senta-se ao lado dele.
- Ainda está entre nós?
Assustado, ele retorna ao presente.
- Aham.
- Bebeu demais, ahn?
- Acho que não.
- Como é?
- Como é o quê?
- Ser capitão. Ter um navio. Viver no mar.
- Não é grande coisa.
- Aposto que é. Cheio de aventuras e perigos. Adrenalina.
- Olhando desse modo...
- Olhando desse modo?
- Olhando desse modo, a vida no mar é perfeita. Só faltou você citar as sereias e os tesouros.
- E há muito disso?
- Sereias ou tesouros?
- Tesouros.
- Meus maiores tesouros são meus amigos.
- E cadê eles?
- Procurando diversão.
- E por que você não está com eles?
- Isso já é diversão bastante pra mim.
- Obrigado.
- Não me referia a você.
- Essa foi rude. Vai beber mais?
- Só mais o suficiente.
O barman ao ouvir essa parte traz mais uma dose de rum.
O capitão o agradece com um aceno de cabeça.
- E as sereias? Fale-me delas.
- São agradáveis.
- Só agradáveis?
- Acho que sim.
- Acha?
- Sim. Só tive momentos agradáveis com elas.
- Nunca amou nenhuma?
- Depende do tipo de amor.
- Físico.
- Várias.
- Emocional?
- Nenhuma. Só tive dois amores. Quando terminou o da terra. Decidi amar o mar. E parece que este não vai acabar.
- Um amor na terra? Por que terminou?
- O tempo se encarregou disso. Os mesmos ventos que sopram minhas velas, a sopraram para longe, junto com o fim da juventude.
- Um romance adolescente?
- Não dou idade a sentimentos.
- E como ela era?
- Especial.
- Fisicamente.
- Linda.
- Descreva-a.
- Não ousaria fazer isso com o léxico que possuo.
- Não quer ver as estrelas?
- Sinta-se a vontade para sair.
- Isso foi um convite.
- Já as vejo em pensamento.
- Você é sempre assim?
- Não, às vezes uso um chapéu.
- Isso não tem graça.
- Nem deveria. É um chapéu muito feio.
- Hahah. Não me acha atraente?
- Certamente.
- Saio daqui a alguns minutos. Gostaria de conhecer seu navio.
- Está em reformas.
- Não está não.
- Está sim.
- Não está não. Vejo ele daqui.
- Você quem diz.
- Então, gostaria me levar até em casa?
- Onde é?
- A três quarteirões daqui.
- Meio longe.
- E?
- Meio longe. Só. Não me sinto como caminhando três quarteirões.
- Escute aqui, seu pirata de merda! Eu sou a mulher mais linda desse bar...
- Não duvido disso.
-... e quero te levar pra casa, entendeu? “TE LEVAR PRA CASA”. Entendeu?
- Levar-te. Sim. Entendi. Você quer uma safadeza.
- ISSO! Será que é pedir demais?
- Pra um velho bêbado, é.
Schayla, a garçonete, sai em direção à cozinha com seu rebolado violento. O capitão apenas a assiste partir. E admira sue bundão. Deveria levá-la para conhecer o barco, pensa.
Toma mais um gole. Os anos da juventude voltam a passar pela cabeça. Sorrisos perdidos na névoa. Risos que ecoam. O doce sabor do último sentimento mal aproveitado. Entre lembranças e doses de rum, ele aguarda sua tripulação se recuperar. Através do mar de devaneios, ele busca seu lugar.

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